Esta questão polêmica tem sido bastante debatida ultimamente, em
especial nos congressos de entidades representativas dos profissionais
ligados diretamente ao diagnóstico laboratorial.
E não é para menos. De acordo com dados apresentados pelo IBGE,
contidos na Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária (AMS) de 2009, o
Brasil possui em torno de 17.000 laboratórios de análises clínicas
espalhados pelo país – incluindo os laboratórios que estão em hospitais,
clínicas e outros estabelecimentos de saúde com ou sem internação.
Desta forma, a questão da interferência ou não do jejum no resultado
de um exame laboratorial afeta diretamente os profissionais que
trabalham nesse universo, assim como o próprio paciente.
Para manter o debate ativo, o Portal LabNetwork perguntou a
representantes de classe e representantes de laboratórios de pequeno,
médio e grande portes qual era a sua posição em relação ao tema. Confira
a seguir o resultado.
Irineu Grinberg, presidente da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC)
Estudos
realizados nas mais diversas partes do mundo apontam, sistematicamente,
que a maior incidência de erros laboratoriais se encontra na fase
pré-analítica, isto é, desde a solicitação médica até a entrada da
amostra para o seu processamento técnico no laboratório.
Vários grupos de pesquisadores estudam este assunto buscando as
fontes destes erros e propondo cuidados especiais para minimizá-los ao
máximo, com o objetivo de reduzir o impacto nos resultados. Dentre estes
fatores formadores de erros os principais são os exercícios físicos, os
medicamentos e a alimentação.
Apesar dos notáveis avanços na tecnologia e automação dos
laboratórios, os resultados dos testes ainda sofrem a influência destes
fatores pré-analíticos e que podem causar variação nos resultados.
Estas variações tornam-se significativamente relevantes quando os
valores estão situados próximas ou em zonas de decisão clínica.
Sabe-se perfeitamente que alguns parâmetros/analitos não são
influenciados pela alimentação. Entretanto, no conjunto das solicitações
de exames laboratoriais estes testes quase sempre vêm mesclados com
outros exames em que o jejum é recomendado. Seria um contrassenso
sugerir dupla coleta nestes casos.
Em situações de emergência, ou urgências hospitalares, estes
critérios (ausência de jejum) poderão ser adequados às necessidades,
convindo sempre que deverão estar registrados no laudo laboratorial.
A comunidade científica internacional permanece recomendando o jejum
para a maioria dos exames como medida de segurança até que seja
possível, através de trabalhos científicos, garantir a não influência
deste fator nos resultados.
Luisane Vieira, Médica Patologista Clínica, Vice-Diretora
Científica da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina
Laboratorial (SBPC/ML)
A
Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial, da
qual sou a atual Vice-Diretora Científica, já trata desta questão há
dois Congressos e estamos liderando no momento um grupo de trabalho para
a elaboração de um novo consenso sobre a solicitação de jejum antes de
exames laboratoriais.
Primeiramente, precisamos definir “jejum”. Segundo a maior parte dos
autores, é um período superior a 8 horas, no qual há ingestão apenas de
água pura. Após as 14 horas sem alimentação, temos o jejum prolongado.
A alimentação pode interferir sobre os exames laboratoriais de duas formas principais.
A primeira, que não pode ser “abolida”, é sobre o nível de analitos
que variam de acordo com a ingestão de alimentos. Estão nesta categoria,
por exemplo, a glicose, a insulina, os triglicerídeos. Nestes casos, a
informação sobre a duração do jejum antes da coleta é importante para a
interpretação dos exames, em função dos intervalos de referência.
A segunda interferência pode ocorrer em função do exame e do método
usado pelo laboratório. Caso a ingestão de gorduras seja importante, ou
caso a pessoa metabolize a gordura ingerida mais lentamente, o seu
sangue pode se mostrar lipêmico no momento da coleta sem jejum (e,
raramente, mesmo após o jejum). A lipemia torna a amostra mais turva e
alguns métodos de laboratório são sensíveis a esta turvação e podem
gerar resultados errôneos (para mais ou para menos).
A principal questão que atualmente está sendo discutida é a
necessidade de jejum para evitar a interferência da lipemia em algumas
metodologias. As tecnologias de realização de exames têm evoluído, hoje
usamos volumes menores de amostras, alguns equipamentos detectam e
tratam a lipemia, e alguns métodos, como a química seca, são pouco
sensíveis a ela. Desta forma, a liberação do jejum ainda é específica do
laboratório para grande parte dos exames, uma vez que nem todos
utilizam os mesmos sistemas.
Outra situação que nos preocupa muito é a ausência de uma verificação
laboratorial viável para confirmar se o paciente está ou não realmente
em jejum. Algumas vezes, ao ser perguntado sobre jejum, o paciente
informa positivamente, mas omite alguma ingestão, de forma deliberada,
por mero esquecimento, ou por acreditar que aquilo que ingeriu não
“quebra” o jejum. Desta forma, às vezes acreditamos que a amostra foi
obtida em jejum, mas não foi. A simplificação desta instrução pode vir a
beneficiar os pacientes.
No último Congresso da SBPC/ML, no Rio de Janeiro, participei de uma
mesa-redonda sobre a questão com plateia lotada, o que mostra o grande
interesse dos laboratórios na questão. Ela vai continuar a ser discutida
no âmbito da Sociedade, com a participação de profissionais de diversos
laboratórios, até termos um consenso mais atual sobre a questão, o qual
leve em consideração os progressos das atuais tecnologias.
Rafael Jácomo, Diretor Técnico do Laboratório Sabin
O
jejum é estritamente necessário em exames relacionados diretamente ao
processo de digestão, como glicemia e triglicerídeos. Nestes casos, a
coleta fora do período adequado pode levar a resultados que não são, de
fato, clinicamente significativos.
Para os demais, um período entre duas e quatro horas é o adequado,
visando diminuir interferentes. Entretanto, em casos de
urgência/emergência ou conforme orientação médica, os exames podem ser
realizados mesmo com jejum inadequado.
Nairo Sumita, Assessor Médico na área de bioquímica clínica do Fleury Medicina e Saúde
O
exame laboratorial é um importante instrumento de auxílio no raciocínio
clínico e na conduta terapêutica, constituindo-se num indicador
sensível e objetivo do estado da saúde do paciente. Desta forma, o
resultado de um exame laboratorial constitui-se numa informação
complementar que auxilia na definição do diagnóstico. Grande parte das
condutas clínicas é tomada a partir de alterações nos dados
laboratoriais.
O elevado grau de confiabilidade dos exames de laboratório pode ser
creditado, em parte, ao processo de evolução dos métodos laboratoriais e
também à incorporação de novas tecnologias, os quais possibilitaram a
obtenção de resultados com elevado grau de exatidão, reprodutibilidade e
rapidez. Novos parâmetros são desenvolvidos e incorporados à rotina
laboratorial, permitindo um melhor entendimento da fisiopatologia das
doenças e otimizando o diagnóstico clínico e a terapêutica.
Segundo a literatura científica, a fase pré-analítica do exame
laboratorial é responsável por cerca de 70% do total de erros ocorridos
nos laboratórios clínicos. A fase pré-analítica inclui a indicação do
exame, redação da solicitação, leitura e interpretação da solicitação,
transmissão de eventuais instruções de preparo do paciente, avaliação do
atendimento às instruções previamente transmitidas, procedimentos de
coleta, acondicionamento, transporte e preservação da amostra biológica
até o momento da efetiva realização do exame.
Dessa forma, a fase pré-analítica se desenvolve pela sequência de
ações de um grande número de pessoas, com diferentes formações
profissionais, desde o médico solicitante até o paciente.
De uma forma ideal, o médico solicitante, ou seus auxiliares diretos,
devem ser os primeiros a instruir o paciente sobre as condições
requeridas para a realização do exame, informando-o sobre a eventual
necessidade de preparo, como jejum, interrupção do uso de alguma
medicação, dieta específica ou mudanças na prática de alguma atividade
física.
Assim, para a coleta de sangue para a realização de exames
laboratoriais, é importante que se conheça, controle e, se possível,
evite algumas variáveis que possam interferir com a exatidão dos
resultados, sendo que o jejum pode ser um dos pontos críticos a ser
considerado.
Um bom preparo antecedendo um teste diagnóstico, muitas vezes tem um
peso tão grande quanto o da própria análise do sangue. A orientação de
fazer a coleta após um intervalo variável de tempo, sem ingerir
alimentos vem, em primeiro lugar, de uma exigência técnica de
padronização. Isso porque muitos dos valores de referência que vemos nos
resultados dos exames foram determinados em pessoas, de quem o sangue
foi colhido em jejum. Portanto, para que os resultados possam ser
comparados aos valores de referência, é preciso realizar os testes
laboratoriais exatamente nas mesmas condições. Além disso, convém
ressaltar que após a alimentação pode ocorrer, momentaneamente, uma
alteração na composição dos elementos do sangue. Sem o jejum, os
resultados dos exames teriam alguma utilidade se interpretados
considerando o que a pessoa comeu e bebeu antes da coleta. Se pensarmos
bem, algo inviável tanto para o médico que pediu o teste, quanto para o
laboratório, pois a quantidade e a qualidade dos alimentos ingeridos são
muito diferentes de pessoa para pessoa.
Na prática, a grande maioria dos exames de sangue exige, no mínimo,
um jejum de três a quatro horas, combinado a um breve período prévio de
repouso, já que o estresse e a atividade física também podem interferir
nos resultados de alguns exames. É por isso que, na maior parte dos
casos, são pedidas de oito a doze horas de jejum, com a coleta
realizada, preferencialmente, no período da manhã. A exceção fica por
conta do perfil lipídico, particularmente a dosagem do triglicérides,
que precisa ser feita após jejum de, no mínimo, 12 horas, porque a
ingestão de alimentos pode elevar os níveis de gordura e determinar um
valor falsamente aumentado do triglicérides. A dosagem de glicose para o
diagnóstico de diabetes também exige, conforme consenso, um jejum de 8
horas.
A variação cronobiológica corresponde às alterações cíclicas na
concentração de um determinado parâmetro em função do tempo. O ciclo de
variação pode ser diário, mensal, sazonal, anual etc. Variação
circadiana, ou seja, diária, acontece, por exemplo, nas concentrações do
ferro, do cortisol, dos hormônios tiroidianos, da testosterona entre
outros. Assim, alguns exames exigem a necessidade de coleta no período
da manhã para que a variação fisiológica observada no transcorrer do dia
não cause confusão na interpretação do resultado laboratorial.
A busca contínua pela excelência e a qualidade técnica sempre foi o
foco na atividade do Fleury. A competência e a confiança conquistadas ao
longo da história do Fleury devem-se, em parte, ao corpo de médicos
especialistas na área diagnóstica com formação nas melhores escolas
médicas nacionais e internacionais, muitos deles com atuação ativa nas
melhores universidades do país. Assim, o Fleury segue rigorosamente as
boas práticas, sempre baseadas nas evidências científicas e nos
consensos universalmente aceitos pela comunidade científica, embasados
nos conhecimentos mais recentes e na ética.
Junia Dias Franco Pérez, Gerente de Suporte Clínico e Pós-Analítico do Grupo Hermes Pardini
Quais são as implicações práticas da abolição do jejum antes da
coleta dos exames laboratoriais? Atualmente, as coletas de sangue nos
laboratórios se concentram no período inicial da manhã. Do ponto de
vista prático, a não exigência do jejum traria uma maior comodidade para
o paciente, pois o mesmo poderia escolher ir ao laboratório no horário
mais adequado de acordo com a sua rotina. No entanto, o valor de
referência da maioria dos exames foi definido em indivíduos saudáveis
que estavam em jejum antes da coleta de sangue e não existem trabalhos
científicos publicados que garantam que a ausência de jejum não
interfira com os resultados de todos os exames. Os poucos trabalhos que
estudaram a influência do jejum sobre os resultados de diferentes
substâncias sanguíneas sugerem que a coleta de sangue após a alimentação
tem o potencial de interferir no resultado de alguns exames e
prejudicar a interpretação dos mesmos.
Em que situações a coleta de exames de sangue pode ser realizada sem a
necessidade de jejum? A ausência de jejum não interfere na dosagem de
alguns exames, como colesterol total, colesterol HDL, hemoglobina
glicada. Não obstante, para a dosagem do colesterol LDL calculado e dos
triglicérides, é obrigatório um período de 12 horas de jejum. Dependendo
do laboratório, os exames para o diagnóstico de doenças infecciosas e
autoimunes podem ser feitos sem necessidade de jejum. Evidentemente, em
situações de urgência e emergência, os exames devem ser colhidos
imediatamente, mesmo que o paciente não esteja em jejum.
Rosa Prestes da Costa, Farmacêutica-Bioquímica, Diretora do Laboratório Unidos
Há alguns anos esse assunto está sendo discutido e cada laboratório
acaba achando seu caminho e estabelecendo sua rotina de coleta mais
diluída ao longo do dia em função da sua visão.
Sabemos que os métodos mudaram e alguns reagentes hoje utilizados não
sofrem a influência da alimentação e o jejum acaba sendo dispensado
para exames como hemograma, ureia, creatinina, sódio, potássio e alguns
hormônios. Para dosagem de glicose ainda utilizamos 8 horas de jejum e
10 a 12 horas para triglicerídeos e colesterol HDL. Para a maioria dos
exames, o laboratório Unidos recomenda 4 horas de jejum, o que permite
atender o cliente ao longo do dia, ou de acordo com a exigência médica,
sempre informando no laudo o período de jejum do cliente.
Fonte: (LabNetwork).
Dr. Dermeval Reis Junior
Biomédico CRBM/SP - 8102
Fisiologia / Patologia Clínica
DRJ - Instituto Biomédico de Fisiologia e Saúde
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